Octopath Traveler e a liberdade do destino
Oito viajantes. Oito histórias. Oito caminhos que, quando trilhados juntos, levariam a um único final. Sob a alcunha de “Project Octopath Traveler”, um novo RPG para o Nintendo Switch surgiria em 2018. Desenvolvido pela Square Enix e encabeçado pelos produtores de Bravely Default, o título se destacou pelos seus gráficos, definidos como “HD-2D” que misturava o visual retrô do SNES com efeitos modernos de alta qualidade. Com uma recepção favorável, o jogo se tornou um dos grandes RPGs de turno da atualidade, tendo expandido seu alcance ao ser lançado também para PC em 2019 e conquistado novos fãs.
Dados técnicos, como o número de vendas e a nota do Metacritic, sempre impressionam. Porém, o que mais chama a atenção em Octopath Traveler é sua narrativa e o desenvolvimento dela conforme o jogo se desenrola. No início, devemos escolher um dos oito personagens jogáveis para começar a jornada, e este personagem jamais poderá ser removido da party (não até que você “zere” o jogo, pelo menos). Assim sendo, você poderá buscar os outros personagens em suas respectivas cidades, escutar suas respectivas histórias e, com a ajuda de seus companheiros, cruzar o continente de Osterra em busca de soluções para as suas tribulações. A jornada compartilhada rende algumas conversas paralelas interessantes entre membros da sua party, que dividem experiências, brincam e aconselham uns aos outros em gracejos que podem ser ouvidos em momentos específicos.
Apesar disso, o jogador não é obrigado a “resgatar” os oito personagens jogáveis. Na verdade, o jogador não é obrigado a nada; ele pode completar apenas a rota do seu personagem principal, ou dos seus personagens favoritos, ou da sua party favorita. É recomendado que, pelo menos, uma party de quatro personagens seja concluída para que as batalhas sejam mais justas e que o jogador não passe dificuldades. Assim sendo, o jogo lhe dá liberdade para montar, jogar e zerar da forma que preferir. Seguindo essa linha, o próprio boss final (que muitas pessoas nem sabem que existe) não é obrigatório, o que eu considero uma falha mortal nas decisões narrativas do jogo, mas isso fica para depois.
Tendo em mente esse modelo “livre” que Octopath Traveler segue, é fácil entender porque algumas pessoas não se apegaram ao jogo ou acham alguns personagens e histórias inúteis. Quando vistos de uma escala maior, narrativas épicas como as de Primrose, Olberic e Cyrus acabam agradando mais o público-geral, pois são mais “comuns” de se ver em J-RPGs do tipo. Histórias como as de Tressa, Alfyn e Therion acabam sendo menores e mais simplórias, pois valorizam o crescimento do personagem ao invés da solução para um grande problema/vingança de proporção “importante”. Assim, é comum ver pessoas reclamando no Reddit e em outros fóruns por aí que “Octopath Traveler só tem duas ou três histórias legais, o resto é uma b*sta. Nem sei porque tem tantos personagens se metade é um lixo.”
Porém, é aí que mora o erro.
Como já explicado acima, nem todas as narrativas são épicas, cheias de reviravoltas e perigos iminentes em busca de uma grande solução. Tressa quer viver uma aventura digna do diário que ela encontrou. Alfyn quer se tornar um grande apotecário e salvar pessoas, como ele mesmo foi salvo na infância. Ophilia precisa fazer uma peregrinação pela sua Igreja no lugar de sua irmã. O que essas narrativas tem de especial, se comparadas à vingança de Primrose, à justiça de Olberic ou ao complô em que Cyrus se mete? Bem, quando você descobre que todas as narrativas, sem exceção, se conectam e levam ao boss final numa história que remonta há séculos, seu queixo vai cair. Todas as histórias e personagens apresentados até aqui são parte de um plano maior, que se conecta à mitologia da região de Osterra e sua religião. Porém, para encontrar o boss final e ter acesso aos arquivos de história que explicam tudo e conectam as oito narrativas, é necessário completar todas as rotas dos oito personagens. Somente após isso, o jogador poderá realizar uma sidequest totalmente opcional e facilmente esquecível que o levará ao ápice do jogo. As recompensas por derrotá-lo não são nada excepcionais, e a batalha final exigirá que você use todos os oito personagens, divididos em dois times. Sem mais detalhes para evitar spoilers, tudo fará sentido quando você chegar aqui e enfrentar os desafios que antecedem o boss. É uma verdadeira maratona.
Existem outros segredos espalhados pelo mapa do jogo, como os hidden jobs, que são classes especiais e extremamente poderosas de um jeito quase absurdo. Estes irão requerir uma boa exploração e preparo de time para enfrentá-los, mas a recompensa é mais do que gratificante. Porém, a decisão de colocar o boss final como algo secundário e facilmente perdível não é justificada de forma alguma. Os hidden jobs foram feitos para serem um bônus, uma recompensa adicional. A conexão de todas as histórias, a explicação de tudo e a criatura que foi responsável pela existência de toda essa querela dos oito protagonistas é apenas um detalhe, algo que ficou para os guias e detonados explicarem como fazer. Isso faz com que o jogo pareça incompleto e a história pareça aleatória, e não é de se admirar. Apesar de dar o braço a torcer e admitir que é interessante e diferente o modelo “livre” de Octopath ao não exigir que o jogador faça nada de específico para zerar o jogo, talvez essa liberdade tenha sido demais ao, literalmente, reduzir o boss final à um mero detalhe.
Os oito protagonistas terem se unido para se ajudarem em suas jornadas enquanto, sem saber, faziam parte de um plano maligno que corria por trás de suas ações, torna o jogo mais crível e a relação entre eles mais estável. Afinal de contas, quando se salva o mundo com um amigo, eu diria que a relação entre eles acaba se fortalecendo.