Pandemia de coronavírus, 2020/2021. A quarentena segue devorando nossas esperanças e a vontade de levantar todas as manhãs para cumprir com as obrigações da vida e do cotidiano. Nunca me senti tão próxima do conceito de zumbi perpetrado incansavelmente pela mídia na década passada… Talvez tenha sido por isso que o destino me apresentou, de forma hilária, este anime esquisito, excêntrico e idiota sugerido pelo YouTube e que “pelo amor de Arceus, quem ainda insiste em trabalhar com temática zumbi em pleno 2020???????”.
Como resposta à essa pergunta, a Cygames, em parceria com a Avex Pictures e a animação do Studio MAPPA, que trouxeram à vida a produção original ZOMBIE LAND SAGA, criação de Shigeru Murakoshi dirigida por Munehisa Sakai, que já dirigiu obras famosas da Toei Animation como One Piece e Sailor Moon Crystal.
A premissa da história é ridiculamente simples, mas pode estragar a experiência se for detalhada demais. O choque já começa desde o primeiro episódio, então tentarei ser o mais… “misteriosa” possível sobre isso. O anime começa com Minamoto Sakura, uma estudante que sonha em se tornar idol e vai perseguir esse sonho com determinação! Após alguns acontecimentos, encontramos Sakura e outras garotas, Nikaido Saki (a delinquente), Mizuno Ai (antiga idol), Konno Junko (idol mais antiga ainda), Hoshikawa Lily (atriz mirim), Yamada Tae (chamada de lendária porém ninguém sabe o motivo) e Yugiri (cortesã da era Meiji) que morreram e estão transformadas em zumbis sob os cuidados de um homem excêntrico, exagerado e cheio de maneirismos que nunca tira seus óculos escuros chamado Tatsumi Kotaro (dublado pelo espetacular Mamoru Miyano). Considerando os estereótipos nos quais as meninas estão inseridas, cada uma terá uma personalidade própria que criará casos, tretas, confusões e até soluções nas situações enfrentadas por elas, criando um dinamismo em grupo maravilhoso. Kotaro, do seu jeitinho peculiar, apenas explica que deseja revitalizar a região de Saga (onde eles moram), no Japão, com um grupo de… idols (zumbis) que represente a região? É. Só de assistir a abertura do anime já dá pra ter uma noção como ele deseja, despretensiosamente, pegar o estereótipo de animes de idol kawaii, as obras sanguinolentas de zumbi, jogar tudo no liquidificador e criar um terrir (terror + rir, nome popular dado às obras de ficção que misturam comédia e terror) com doses de drama que vai te deixar de queixo caído!
Assim sendo, ele treina as garotas para que se tornem um grupo idol, passa maquiagem nelas quando precisam sair (pois o fato de serem zumbis é segredo) e escreve suas músicas. O grupo idol das meninas zumbis (que, como não podem usar seus nomes reais pois ELAS ESTÃO MORTAS e isso obviamente acabaria envolvendo a POLÍCIA pelo possível CRIME DE VIOLAÇÃO DE TÚMULOS POR PARTE DO KOTARO, então elas acabam sendo chamadas por números) é batizado de Franchouchou sob circunstâncias ridiculamente divertidas, e assim elas partem em sua jornada! Er, quase isso. Elas enfrentam poucas e boas no caminho para se tornar um grupo de idols reconhecido e ajudar a região de Saga a se tornar relevante novamente. A primeira temporada possui doze episódios, e estes se dividem entre explorar o passado de algumas das meninas (de um jeito que faria até o mais insensível dos seres humanos lacrimejar com o drama envolvido) e mostrar suas trapalhadas no cotidiano tentando esconder que são zumbis e fazer “seu trabalho” de idol. Um alívio cômico comum é a personagem da Tae, que (evitando spoilers), tem alguns probleminhas em sua forma de zumbi e não consegue falar durante TODA A TEMPORADA. Ela apenas grunhe e causa problemas para o grupo, já que seu comportamento é o mais bestial possível, o que faz com que Sakura (a protagonista) precise agir como babá dela até que Tae “se acostume” com todo o rolê de idol. É importantíssimo salientar, inclusive, que a seiyuu (“dubladora original”, voz original em japonês da personagem) de Tae é a Kotono Mitsuishi, mais conhecida por ser A SEIYUU DE TSUKINO USAGI, A SAILOR MOON. Sim, trouxeram a voz original da SAILOR MOON para grunhir como uma zumbi tresloucada. Tem como não amar essa ousadia?
Agora que você já conhece a premissa da obra, deve estar pensando “nah, não tem como chorar com um anime zoado desse, né?” e eu te respondo que SIM. A história em si é absurda e meio lelé, mas foge do padrão de animes de comédia ao apresentar apenas protagonistas femininas numa situação fantasiosa totalmente bizarra mas que não precisa ser discutida fervorosamente porque É UM ANIME. Ele é engraçado, ridículo, nonsense e absurdo em sua maioria, sendo totalmente indicado para você que tá precisando dar umas risadas ou que gosta de obras absurdas que além de abandonar as fórmulas prontas do gênero e sair da caixinha, vão amassá-la, dar um chute nela e gritar na sua cara. Mas numa tentativa de explicar um pouco melhor o passado das meninas, ele mostra algumas das circunstâncias de suas mortes e suas vidas antes desta fatalidade, o que aprofunda o desenvolvimento de personagens e nos faz apegar à estas meninas zumbis mais do que qualquer outra coisa nesse anime. Há uma personagem trans na obra que foi apresentada de um jeitinho tão sublime e respeitoso que chega a emocionar! A alma da obra são essas meninas e a relação que elas criam entre si, como um grupo idol, um grupo de zumbis e um grupo de meninas tudo ao mesmo tempo, além da bagagem histórica e emocional que cada uma traz dentro de si. Quando a situação quer ser dramática em Zombie Land Saga, não se engane, ela VAI SER DRAMÁTICA PRA CARAMBA e você vai, pelo menos, lacrimejar. Depois ele volta pro ritmo de comédia desgovernada. E nesse balanço, entre risadas com os absurdos e lágrimas que querem escapar com os dramas incluídos ali, o espectador se apega às meninas da Franchouchou tanto que começa a torcer por elas, independente do circo ridículo criado pelo Kotaro. O espectador só quer ver as meninas interagindo e ficando bem no fim do dia.
O design de personagens brilha muito ao brincar com a dualidade da situação das garotas. Como zumbis, elas tem a pele azulada e remendada, além de olhos vermelhos profundos, olheiras e o fato de que seus membros podem ser separados e reconectados ao corpo à qualquer hora. Porém, quando elas estão nesta “forma zumbi” e são vistas por alguém de fora da Franchouchou, a animação se diverte ao EXAGERAR COM GOSTO fazendo-as parecerem MONSTRUOSAS, e aquelas olheiras parecem PROFUNDAS, os olhos vermelhos se tornam FAMINTOS e até seus movimentos parecem mais lentos e assustadores. Desse ponto de vista, elas são zumbis horrendos, fedidos e bizarros. Do ponto de vista delas mesmas e de Kotaro, elas são uma versão “soft” disso. Quando Kotaro passa maquiagem nas meninas, para que elas possam sair e fazer suas atividades de idol, ele também coloca lentes de contato, e elas se tornam apenas… Menininhas comuns e bonitinhas. É quase como se a forma zumbi fosse a forma padrão (o que ela é, no contexto do anime), e a forma maquiada fosse uma transformação de mahou shoujo, quando elas “atingem sua forma épica” e podem, ao invés de salvar o mundo, fazer seus shows, propagandas ou o que for. Um adendo crítico em relação ao design de personagens é que todos os personagens parecem meio… cabeçudos demais. Como se o topo de suas cabeças parecesse um ovo. A Saki até brinca com a Sakura em um dos episódios, chamando ela de “cabeça de ovo”, então a piada é proposital. Não se preocupe, você se acostuma com isso conforme for assistindo, como também se acostumará ao ver as performances de dança das meninas em 3D. Sim, o anime deixou as performances idol em 3D numa tentativa de tornar “mais humano”? Meh, parece bem estranho a princípio (porque AÍ QUE ELAS FICAM CABEÇUDAS MESMO) mas você se acostuma.
Por fim, precisamos falar sobre Mamoru Miyano e sua performance como Tatsumi Kotaro. O motivo que me levou à assistir Zombie Land Saga foi saber que o Mamoru Miyano fazia parte dessa premissa maluca, e eu não me arrependi de ter dado a chance. Para quem não tem a memória muito boa ou não o conhece, Mamoru Miyano é um seiyuu e cantor japonês responsável por personagens clássicos maluquinhos e ridiculamente carismáticos como Tamaki (Ouran High School Host Club), Death the Kid (Soul Eater), Dazai Osamu (Bungo Stray Dogs), Sakamoto Ryuji (Persona 5), Yagami Light (Death Note), Zero e Ichiru (Vampire Knight), Masaomi Kida (Durarara!), Joker, (Kuroshitsuji), Matsuoka Rin (Free!), Zange Natsume (Inu x Boku SS), Ling Yao (FullMetal Alchemist), Ignis Scientia (Final Fantasy XV) e Riku (Kingdom Hearts). Ufa! O senhor Mamoru tem um currículo de dar inveja, né não? E tem Mamoru pra todos os gostos, sendo que eu nem coloquei todos os papéis de destaque dele aqui para não dar cansaço. Por seu papel como Kotaro em Zombie Land Saga, o bonito chegou a ganhar um PRÊMIO de Best VA Performance (JP) no Crunchyroll Anime Awards! O bicho é talentoso, se doa de corpo e alma na interpretação de seus personagens e acaba dando preferência aos maluquinhos. Como Kotaro ele grita, interpreta um pouco de teatro Kabuki, empolga as meninas em sua jornada e assusta pelo simples fato de ninguém ser capaz de adivinhar o que acontece dentro da cabeça do tal reanimador de cadáveres.
O impacto cultural de Zombie Land Saga é inegável, principalmente quando descobrimos que o anime foi desenvolvido em colaboração com o Governo e Prefeitura de Saga, no Japão! Vários locais que aparecem no anime são locais REAIS na Saga da vida real e que tiveram um aumento absurdo no turismo desde a transmissão do anime! Até mesmo o governador de Saga, Yoshinori Yamaguchi, disse amar a obra e já fez cosplay de Kotaro durante eventos colaborativos! No fim das contas, podemos concluir que o plano ridículo de Kotaro para salvar Saga com um grupo de idols secretamente zumbis no anime está funcionando tão bem que afetou positivamente até o mundo real! Parabéns, Kotaro e Franchouchou!
Zombie Land Saga está, no momento de publicação desta review, com uma segunda temporada sendo lançada semanalmente pelo Crunchyroll que acontece logo após os eventos do final da primeira temporada. Você pode assistir a primeira e a segunda temporada inteiras pelo serviço de streaming, de forma gratuita ou paga.
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