Dark Devotion e a contínua evolução dos roguelike

Acompanhando o que pode ser considerado a renascença dos roguelike platformers, analisamos mais um jogo que parece ser resultado do contexto da última década, mesclando elementos de gigantes como Hollow Knight, Castlevania e até mesmo Dark Souls, o sombrio e desafiador Dark Devotion.

Mecânicas e Jogabilidade

Geralmente quando analisamos as características de um Roguelike Platformer (ou Metroidvania como chamarei para encurtar) é muito comum identificar o estilo de exploração do jogo através da movimentação do seu personagem. A grande maioria dos Metroidvanias opta por introduzir o jogador às mecânicas de maneira gradativa, a princípio disponibilizando apenas habilidades e mobilidade limitada ao personagem para que o player possa se familiarizar aos controles e ritmo do jogo. Não é muito incomum, porém, que próximo ao final da campanha o jogador possua um leque grande de opções para combate e movimentação, que devem ser gerenciados e utilizados de maneira simultânea no combate e platforming.

Dark Devotion contraria essa premissa.

Desde o início o jogo demonstra uma identidade própria ao tirar uma opção de mobilidade tão clássica e tradicional dos jogos: O Pulo. Felizmente, a identidade do game não para por aí; Sua personagem possui a habilidade de rolar e atacar atreladas à sua estamina, tornando o combate um processo mais metódico e estratégico do que apenas uma demonstração de coordenação motora. Ficou claro onde a inspiração de Dark Souls entrou?

O domínio do alcance de seu ataques e gerenciamento de estamina são vitais para a sobrevivência.

É importante mencionar que apesar da opção de pular não estar presente no jogo, ainda existe movimentação vertical através dos mapas, através de escadas, plataformas e apoios, é possível subir ou descer através dos mapas. O jogador não pode se esquecer porém que na ausência de uma escada ou meio aparente para subir, não é possível retornar para uma plataforma após descer.

Impressiona como a combinação dos dois conceitos, gerenciamento de estamina no combate e mobilidade limitada que nem sempre possibilita o retorno para áreas conhecidas, provocam um sentimento diferente no jogador. Tanto o combate quanto a exploração envolvem um certo risco, que é agravado pela perda de todos os itens consumíveis que o jogador carrega quando ele morre. Balancear risco e recompensa tornam a exploração e o combate mais instigantes e memoráveis, uma vez que forçam o jogador a decidir sob pressão se deve arriscar os equipamentos coletados ou retornar para a segurança (porém sabendo que deverá retroceder no futuro).

Exploração

A exploração do jogo apesar de se destacar de seus semelhantes por sua identidade, deixa a desejar quando se faz necessário Backtracking. Ao morrer o jogador é enviado para uma área que serve de Hub central, onde pode realizar upgrades e reestocar itens e equipamentos para sua próxima viagem. Uma ideia relativamente interessante, que introduz um risco (novamente) quando o jogador se aproxima de um combate, o problema aparece ao tentar retornar para o último ponto visitado; existem poucos pontos de “checkpoint” distribuídos através do mapa e o Layout utilizado para a demonstração de interligação entre as diversas salas nem sempre deixa claro qual o método para ir de um local a outro. Perdeu seus itens em uma sala nova e não se lembra exatamente como chegou lá? Más Notícias…

Um exemplo de layout dos mapas do jogo.

Para remediar um pouco esta situação, é possível utilizar seus pontos de Faith para desbloquear corta caminhos entre os mapas, mas é preciso se manter atento ao fato que Faith também é utilizado para suas magias e existem poucos métodos de reabastecê-la sem ter que retornar à sala inicial.

Combate e Inimigos

O combate conforme mencionado anteriormente, pode ser extremamente divertido e recompensador. Com uma grande variedade de tipos de magias e armas e a possibilidade de um loadout limitado, o jogador deve experimentar e testar para encontrar as melhores combinações que possam lhe proporcionar versatilidade para lidar com os variados tipos de inimigos.

A customização do seu loadout além de oferecer uma grande variedade que vai de arcos e flechas simples a espadas de fogo e magias que criam lanças e escudos. Ainda é possível utilizar os pontos e faith obtidos ao derrotar inimigos parar habilitar buffs e novas habilidades que aumentar a quantidade de vida, regeneração ou até melhoram a esquiva da sua personagem, o que oferece grande profundidade ao sistema de combate.

Através de gerenciamento de seu loadout, o jogador pode customizar sua estratégia para um próximo mergulho nos calabouços.

Falando em inimigos, o jogo possui uma gama interessante de horrores para encontrar espalhados pelas catacumbas, tendo chefes que se destacam com designs cada vez mais aterradores e únicos, que impactam diretamente em seus estilos de combate. Um exemplo disso é o primeiro chefe do jogo:

Ele começa a luta preso pelo braço às grades no meio do mapa, mas com sua arma e grande alcance, ele ainda é capaz de alcançar todo o mapa, exigindo que o jogador manobre com cuidado para conseguir atacá-lo enquanto evita sua espada. Após o jogador se acostumar com seus padrões e conseguir danificá-lo o bastante, o chefe arranca seu próprio braço e passa a utilizar uma variação de seu moveset anterior, porém agora se movimentando em direção ao player, forçando uma rápida adaptação, além de uma subversão de expectativa, uma vez que o jogador se acostumou com o posicionamento inicial do inimigo, proporcionando uma luta dinâmica e emocionante.

O primeiro estágio da luta contra o chefe serve de preparação para que o jogador se acostume a desviar de seus golpes.

História e Apresentação

Se mantendo fiel à premissa de um Soulslike, o jogo possui uma história críptica que pode ser explorada de acordo com a vontade do jogador, pesquisando através de livros, cartas, relatos descrição de itens ou relatos de NPCs. Ainda assim, mesmo lendo todos os textos, muito do enredo continuou confuso ao final do jogo, para tentar remediar isso, uma sala contendo uma biblioteca com todos os textos do jogo foi inserida no Hub. Uma ideia boa, mas que conta excessivamente com exposição de texto.

O estilo de arte empresta emoção para os momento mais marcantes da trama, surpreendendo com sua qualidade.

As sidequests no entanto deixam a desejar, se resumindo a “Matar x n° de inimigos” ou “Coletar y n° de itens”, se resumindo a fetch quests em sua grande maioria. Também dificulta a realização das quests o fato de não existir um bestiário no jogo, cabendo ao jogador se lembrar onde encontrou cada espécie de monstro para quests futuras.

A trilha sonora é boa, com os temas de alguns bosses ficando na cabeça após as sessões de gameplay, mas não se equipara a alguns rivais do gênero (Hollow Knight por exemplo) e trilhas orquestradas. Em alguns mapas os temas sonoros reforçam a sensação de medo e ansiedade providos pelos ambientes escuros e decrépitos.

Apesar de adotar um estilo de pixel art, o jogo se destaca com design detalhado para ambientes e inimigos, os bosses se destacam novamente, possuindo características de design que são traduzidas para seus gameplay (como o braço do primeiro boss previamente mencionada).

PROS:

  • Sistema de combate satisfatório que oferece recompensas por uma abordagem estratégica;
  • Bosses desafiadores que irão testar as habilidades do jogador;
  • Exploração mistura elementos de Roguelikes e Metroidvanias para incentivar o jogador a explorar cada vez mais o mundo.

CONS:

  • Apesar de a história ser explorada ao prazer do jogador, muito dela depende de exposições através da biblioteca;
  • O foco em exploração é prejudicado pelo layout de mapas ser confuso, dificultando o acesso a áreas previamente visitadas.

NOTA: ☕️☕️☕️☕️

Dark Devotion casa ideias e conceitos de Roguelikes com a exploração e combate de Metroidvanias de maneira inteligente, criando uma experiência que pode ser viciante e customizável. Ainda que alguns sistemas como o de quests não pareçam ter sido implementados de maneira tão orgânica, o jogo consegue solidificar sua própria identidade e se provar uma experiência satisfatória.


Hollow Knight – O indie de insetos que se tornou GIGANTE

Quando o Kickstarter se tornou assunto alguns anos atrás, muitos de nós jogadores ficamos animados. O Kickstarter era uma opção para desenvolvedores que quisessem lançar seus jogos sem se submeter às restrições de publishers, preservando suas visões autorais intactas. Porém, o que surgiu como um sopro de vida numa indústria infestada de relançamentos anuais (vocês sabem exatamente de que franquais estou falando hehe) rapidamente se tornou motivo de chacota por conta de fracassos e decepções como Might Number 9, Unsung Story, Night Trap e Red Ash (de novo Inafune?!). 

No entanto, mesmo com tantos fracassos, o Kickstarter nos proporcionou sucessos como Undertale, Shovel Knight, e o motivo desta review, do qual falarei agora: 

Eu costumo dizer que uma das principais vantagens narrativas que os jogos possuem quando comparados a outras mídias de entretenimento é sua capacidade de envolver o jogador através de suas decisões. Hoje em dia não é nenhuma novidade encontrar jogos que escondem sua história nos mínimos detalhes do mundo em que se passam, mas Hollow Knight se destaca por ter sua própria identidade. 

Um reino que já foi tido como o mais glorioso, destruído da noite para o dia, deixando para trás apenas seus antigos habitantes (em sua grande maioria enlouquecidos) e ruínas sombrias; um viajante sem memórias descobrindo segredos que causaram a queda dessa sociedade; uma maldição que pouco a pouco avança pela população, causando loucura entre os habitantes sãos que restaram. 

Essa história poderia perfeitamente ser o roteiro de um Dark Souls, porém seus personagens são (quase) todos insetos. Esse aspecto é muito bem aproveitado pelos desenvolvedores, seja utilizando espécies de insetos como ponto de partida para a personalidade de alguns personagens, ou como inspiração para as diversas áreas e povos nativos do reino. 

Ao explorar cada vez mais o reino de Hallownest, descobrimos pouco a pouco o motivo da queda de uma sociedade tão utópica. Hallownest foi construída em cima de segredos sombrios que vão desde deuses esquecidos até a identidade de seu rei, prosperando às custas do seu povo nativo. 

A Interface é não intrusiva, e auxilia o jogador a focar na ação.

Hollow Knight começa simples, você possui sua “Nail”, uma lâmina de alcance relativamente curto e a capacidade de utilizar pulos simples. Apesar da pequena quantidade de recursos iniciais, aos poucos o jogador é capaz de adquirir novas ferramentas e habilidades, broches que conferem efeitos e magias especiais como maior alcance da espada ou até regeneração. Ao utilizar as habilidades adquiridas e combinações de broches, é possível para cada jogador criar suas próprias combinações, que reflitam seu estilo de jogo. 

Mas as habilidades do personagem não são as únicas a se desenvolverem durante o jogo, o jogador lida com inimigos que possuem comportamentos e movesets gradativamente mais complexos. As abordagens para o combate são inúmeras: pode-se atacar um inimigo com grande alcance horizontal pulando por cima dele e utilizando cortes ainda no ar; utilizar a habilidade da Nail de “quicar” ou repelir projéteis para atacar inimigos; atacar ao mesmo tempo que os inimigos para causar um parry. As opções são inúmeras. 

Onde o combate do jogo verdadeiramente brilha é durante as lutas com seus diversos bosses, cada um se tornando mais desafiador que o anterior, padrões de movimento se tornam mais complexos, treinando o jogador para ser cada vez mais preciso. O jogo possui várias batalhas memoráveis, muitas das quais continuarão na memória do jogador muito tempo após terminar o jogo. Algumas das lutas mais memoráveis acontecem durante as DLCs (que são gratuitas!), que oferecem os bosses mais desafiadores do jogo, e até um desafio de sobrevivência contra todos eles! 

Em Bosses mais avançados, os padrões se tornam cada vez mais complexos.

Para os verdadeiros amantes de desafios, o jogo disponibiliza o modo Steel Soul, que apaga completamente o Save do jogador ao morrer, colocando tudo em jogo. 

Soa até estranho dizer que um jogo Indie tenha gráficos de tirar o fôlego, mas a visão artística dos desenvolvedores e a coerência com a qual desenvolveram o mundo de Hallownest não deixa dúvidas de todo o carinho que foi colocado no desenvolvimento. A cada nova parte do reino que explorei, pensei comigo mesmo “Ok, esse é a área mais bonita que eu já vi nesse jogo”, seja com a riqueza de detalhes da vegetação de Greenpath, na sensação de desolação das Howling Cliffs, ou até na triste decadência e chuva da City of Tears. Alguma área, em algum momento irá marcar o jogador, com suas vistas e trilhas sonoras tão agradáveis quanto tristes. 

E por falar em trilha sonora:

https://www.youtube.com/watch?v=1unm0LS10ao

A qualidade da trilha sonora somada à arte impecável dos mapas contribui para a imersão, tornando a experiência do jogo ainda mais memorável. 

Imersivo, não?

Com sua continuação já anunciada (Hollow Knight – Silksong) e todas as DLCs inclusas de graça em todas as plataformas, esse é o melhor momento para mergulhar de cabeça na franquia. 

Pros:

  • Mecânicas de combate e movimentação são refinadas e proporcionam sensação de desafio e evolução ao longo do jogo; 
  • Visuais desenhados a mão proporcionam vistas de tirar o fôlego, muito acima do padrão para jogos independentes; 
  • Trilha Sonora e direção de Arte impecáveis proporcionam imersão ao longo das 50~60 horas de duração do jogo; 
  • Com as expansões, possui 70 horas ou mais de conteúdo.

Cons:

  • Dificuldade pode ser um pouco elevada para iniciantes no gênero, mas nada desbalanceado.

Nota: ☕☕☕☕☕

Plataformas:

  • Nintendo Switch (plataforma analisada);
  • PC;
  • PS4;
  • X1.

Hollow Knight é uma experiência indispensável para fãs de Metroidvânias e um ótimo ponto de entrada para novatos. Apesar de se enquadrar em um gênero já tradicional, Hollow Knight implementa mecânicas e customizações suficientes para se manter como uma experiência completamente nova e impressiona com seu nível de polimento.