Este não é meu primeiro texto sobre Animal Crossing, e com certeza não será o último, porque quanto mais eu me envolvo nesta que é uma das minhas franquias favoritas de todos os tempos, mais eu quero falar sobre ela. E, sendo bem sincera, sou uma pessoa difícil para fazer amigos; aos 25 anos, nunca tive tão poucos. A vida me ensinou lições sobre amizade de forma cruel, e as mesmas lições me foram ensinadas por Animal Crossing de forma gentil (e isso não inclui você, Wild World). Polarizado, porém efetivo, meu aprendizado sobre as ligações humanas provenientes da amizade foi amadurecido e eu gostaria de saber o que sei hoje aos 18 anos, quando achei que todos seríamos amigos para sempre e que amizade significava nunca deixar partir.

Nossa, como eu estava errada.

Eu era (talvez ainda seja?) o tipo de pessoa que priorizava as necessidades dos meus amigos antes das minhas, que fazia questão de fazê-los se sentirem especiais. Eu os colocava em pedestais e me recusava a ver seus defeitos, sempre endeusando suas qualidades. Me sentia mal ao dizer “não” ou decepcioná-los. Assim, entrei em choque ao me afastar de alguns deles pela primeira vez. Senti que estava agindo errado ao priorizar minha vida adulta e não meus amigos que sempre estiveram lá por mim. Tentei segurá-los com toda a força, mas eles escaparam de mim feito sabão. Meu número de amigos diminuiu, e eu me agarrei aos que ainda estavam do meu lado como um náufrago num bote salva-vidas. Desesperada. Assustada. Não podia arriscar perdê-los. Eles eram meus amigos mais antigos, meus irmãos. Era impossível que nós nos afastássemos, certo? Seríamos amigos até a velhice, certo? Errado.

Foi quando minha relação com minha melhor amiga chegou ao fim em uma briga pelo WhatsApp que eu me senti no fundo do poço. Acreditei que não conseguiria mais fazer amigos. Que, se ela partiu, ninguém mais ficaria do meu lado. Se ela, adorada pela minha família e considerada quase uma irmã, seguiu em frente e me deixou no passado, qualquer um me abandonaria. Em meio à esses pensamentos nocivos e totalmente descontrolados, fomentados pelo desespero e o drama do momento, eu voltei para o meu refúgio em Animal Crossing: New Leaf. Meu lugar seguro. E ver os rostos familiares dos meus villagers, e alguns rostos novos, me fez pensar sobre o conceito de amizade que o jogo utilizava. As idas e vindas dos villagers, a relação construída entre nós e eles, e o momento em que eles precisam partir pareceu um reflexo da minha vida nos últimos anos, e eu comecei a entender e refletir sobre como aquilo era parecido, e diferente, da vida.

Em Animal Crossing, fazemos amizade com os animaizinhos antropomórficos que são a cara da franquia. Eles se mudam para nossas cidades em diferentes espécies, tamanhos, vozes e personalidades e acabam nos conquistando pelo seu jeitinho singular. Há milhares de histórias na internet sobre pessoas que criaram vínculos reais com certos villagers e certas experiências que marcaram suas vidas para sempre, e isso é absolutamente fantástico. O apelo e o alcance emocional feito por eles chega a ser absurdo para um videogame, o que mostra a profundidade que essa mídia é capaz de alcançar.

Como o jogo funciona com o sistema de horário/calendário do console, vivemos dia após dia como na vida real, conversando com os villagers e desenvolvendo preferências entre eles, relacionamentos de amizade e apego emocional. Aqueles que usam o jogo como válvula de escape, como eu, se sentiram mais tranquilos e satisfeitos num momento de turbilhão emocional quando abriram o jogo e se depararam com seu villager favorito, seu vizinho no jogo ou aquele villager estranho que sempre está olhando as flores quando você começa a jogar. Já tive diálogos com villagers que me fizeram questionar, seriamente, se eu estava jogando um mero jogo ou se ele tinha alguma consciência do que eu estava passando. Loucura, mas verdade.

Os dias se tornam meses, os meses se tornam anos. Quando você nota, já está fazendo aniversário do jogo, e percebe como tudo mudou com o passar do tempo, mesmo dentro do jogo. E, como na vida real, mudanças chegam sem que nós tenhamos ideia do que vai acontecer, e um de seus villagers decide ir embora. Ou, naqueles dois dias em que você não jogou, ele partiu sem se despedir, mas deixou uma cartinha. Você se entristece pela partida, ou fica chateado, ou se acha estúpido por se importar com um “bonequinho do jogo”. Mas é assim, eles tem a vontade de partir e experimentar novas experiências. E dizem que jamais esquecerão de você.

A vida real não é assim também? Os amigos mudam de casa, de cidade, de país. Procuram novas experiências e conhecem novas pessoas, e a relação entre vocês se esvai. Numa briga, muita coisa é dita no calor do momento e a mágoa quebra o relacionamento. Ambos vão embora, mesmo sem querer, mesmo sem acreditar. Assim são os villagers. Eles partem, e outros chegam. E o ciclo começa novamente.

Dessa forma, o jogo ensina a você que os villagers não são sua propriedade (a não ser que você tenha comprado um amiibo card, nesse caso ele é sua propriedade SIM). Que eles são moradores, como você, e que tem vontade própria para se relacionar e tomar decisões. Que eles vão partir, sim, e que a experiência de tê-los faz parte da vida, e são as memórias que irão mantê-los com você, não importa quanto tempo passe. Por isso chega a ser absurdo ver pessoas desesperadas para manter certos villagers em cativeiro ou expulsar outros villagers porque eles não se encaixam em seu padrão desejado. Na vida real não é assim; nós temos amigos que fogem do padrão e nós os amamos por serem quem são. Você não bate com uma rede no seu amigo de infância só porque ele, de acordo com algum padrão específico, é “feio”. E nós não podemos prender as pessoas em potes e querer guardá-las num canto só pra nós.

Não é porque o villager falou algo que não te agradou ou te deu um presente não esperado que você deve espancá-lo ou gritar que o odeia; você faria isso com seus amigos na vida real? Gritaria com eles quando falassem algo que você não quer ouvir? Em qualquer relacionamento na vida, nós não temos controle sobre o outro; falamos e fazemos o que achamos melhor, mas é lidar com a incerteza e a singularidade dos indivíduos que torna os relacionamentos tão interessantes e únicos, e Animal Crossing simula isso da vida real.

Da mesma forma, jogar Animal Crossing de forma “mecânica”, focando nos afazeres e ignorando os relacionamentos com os villagers é perder pelo menos metade da experiência e do aprendizado que o jogo proporciona. Afinal, a proposta do jogo sempre foi manter o equilíbrio entre todas as mecânicas e testar todas as possibilidades disponíveis. É plantar e colher frutas que te agrada? Pescar? Coletar insetos? Preencher o museu? Conversar com seus villagers? Apostar no mercado de turnips? Você pode fazer de tudo um pouco, ou focar só no que te agrada. Mas o jogo tem tamanha excelência em todas as mecânicas que seria desperdício não aproveitar de tudo.

Pessoas não são propriedade. E, por mais que um jogo seja, no caso de Animal Crossing, ele faz questão de mostrar que seus elementos não são propriedade e sim construção. Construir uma cidade, uma ilha, uma casa, um relacionamento… Uma amizade. Uma relação de confiança.

Animal Crossing é algo que eu recomendo fortemente para todos os meus amigos que gostam de jogar e são abertos a novas experiências. Ouvir falar do jogo, ler uma crítica ou algo do tipo é um contato frio e indeterminado. Jogá-lo, abrir sua cidade todos os dias e conversar com aqueles animaizinhos que estão ali com você é outra coisa.
Sim, no fim das contas é só um conjunto de pixels que você pagou pra consumir. Mas é tolice pensar que nós, como seres humanos, não podemos adquirir conhecimento sobre a vida ou sobre nós mesmos do nosso entretenimento.