Melhores dos 10s – The Witcher 3: Wild Hunt
Ao chegar neste 2020, concluímos mais uma fase no imenso milênio a nossa frente. Para comemorar e relembrar, decidimos fazer textos sobre nossos jogos favoritos da década de 2010. Estes serão estritamente pessoais, mas tentarão acima de tudo exaltar as melhores qualidades dos nossos queridinhos.
N. ☕️
O jogo que cimentou o lugar da CD Projekt Red na indústria de games, um dos títulos mais populares dos últimos tempos, premiado por vários veículos diferentes e um forte ponto de discussão até hoje. The Witcher 3: Wild Hunt é uma escolha um tanto quanto esperada para jogo da década, uma que eu sei que terá reações quase binárias entre concordar e discordar fortemente, mas acredito que seja justificada em mais de um quesito.
Existem várias formas de se avaliar um jogo, geralmente descrevendo mecânicas, se funcionam como esperado ou não, comparando a qualidade com a média estabelecida, e outras formas. Serve como um termômetro para cada jogador individualmente decidir se compensa a compra do jogo, nem sempre um review negativo pode desencorajar já que a experiência de cada pessoa muda drasticamente. Algo negativo para o crítico pode ser positivo para vários e vice-versa.
A impossibilidade de um review perfeitamente objetivo é um assunto para outra hora, mas o motivo que eu entrei nesse detalhe é porque eu acredito que The Witcher 3 funcione muito melhor do que a soma de suas partes. Apesar de muitos apenas conhecerem o jogo separado tanto da própria trilogia como dos livros de Andrej Sapkowski, é difícil avaliar tudo que ele significa sem levar em consideração todo o contexto da obra. É um ponto final, uma culminação de uma saga, a criação de Andrej, a extensão pela CDPR, e uma jornada que atravessou mídias de forma quase natural. Não creio que seja justo avaliá-lo apenas pelos seus méritos ou deméritos como um jogo.
Então eu pretendo começar falando sobre o valor dele “por trás das cortinas”. Um de seus maiores impactos na indústria veio na formação de um dos estúdios mais importantes no cenário atual.
Partindo da estaca zero, o estúdio polonês começou em 1994 somente como CD Projekt, uma editora de jogos fazendo localizações para seu país que não tinha uma forte presença da indústria. Seu maior sucesso na época foi Baldur’s Gate, vendendo cerca de 20 vezes mais que qualquer outro projeto anterior. A continuação Baldur’s Gate: Dark Alliance estava planejada somente para consoles, o estúdio procurou os direitos necessários para desenvolver um port para o PC e sua localização, contrataram Sebastian Zieliński e Adam Badowski para trabalhar no port do jogo. Seis meses depois que o desenvolvimento começou, Interplay cancelou a versão para PC por problemas financeiros. Tendo um bom tanto de código para um jogo e dois programadores, a companhia acabou por abrir seu próprio estúdio de desenvolvimento de jogos, a CD Projekt RED. Foram atrás de adquirir os direitos para a produção de jogos de uma série de livros extremamente popular na Polônia para seu projeto.
Após vários altos e baixos, problemas financeiros, brigas por direitos, falta de experiência e infra-estrutura para produzir um jogo, The Witcher saiu para PC mundialmente em 2007, com um moderado sucesso. A estrada a partir desse momento não ficou mais fácil, tendo vários problemas em projetos paralelos e limitações no desenvolvimento de sua continuação, o estúdio conseguiu lançar a continuação The Assassin of Kings em 2011.
Eventualmente o estúdio chegou em The Witcher 3: Wild Hunt. De uma empresa de localização polonesa, para um projeto de port, para a criação de um estúdio, uma primeira versão apresentada a investidores que de acordo com o próprio líder de equipe estava “um pedaço de bosta”, uma segunda tentativa mais polida que conseguiu ser publicada, uma continuação turbulenta, e um projeto gigantesco que causou um tanto de repercussão tanto para desenvolvedores quanto pros consumidores. A rota da CDPR não foi uma das mais estáveis, e mesmo assim seu grande título mudou a percepção de projetos grandes da época.
The Witcher 3 custou cerca de 46 milhões de dólares para se fazer sem contar marketing. Isso foi importante pois na época o custo de produção dos jogos estava crescendo exponencialmente. Em comparação:
Jogo | Ano de lançamento |
Custo de produção (em milhões de dólares) |
Grand Theft Auto V | 2013 | 137 |
Battlefield 4 | 2013 | 100 |
Metal Gear Solid V: The Phantom Pain | 2015 | 80 |
Watch Dogs | 2014 | 68 |
Gran Turismo 5 | 2010 | 60 |
Call of Duty: Modern Warfare 2 | 2009 | 50 |
The Witcher 3: Wild Hunt | 2015 | 46 |
Títulos de até 5 anos atrás custaram mais que TW3, fazer um título AAA de peso era visto como um investimento imenso e quase não sustentável. Toda a indústria estava pendendo para esse lado, e isso iria mudar drasticamente a monetização e escopo dos jogos.
A CDPR mudou drasticamente a forma que o público via esses jogos, o jogo veio de um estúdio “indie”, não possuía nenhuma monetização adicional, era completamente single-player, e foi feito com uma verba razoável para os padrões da AAA. Tudo isso, e competiu com vários outros jogos de grandes nomes para a premiação de Jogo do Ano, ganhando vários deles.
É claro, tudo isso foram só as consequências na indústria, a causa foi o jogo, que eu pretendo discutir agora. Muitos diminuem o valor da CD Projekt Red com o argumento de que “eles só fizeram um jogo grande”, mas é exatamente isso que leva a pergunta, como que um estúdio ganhou tanta notoriedade com um jogo?
A saga do The Witcher nos videogames sempre teve como objetivo ser um livro interativo de Sapkowski, sua moralidade cinza constantemente desafiando o jogador em quests que não tinham uma “solução” correta. O maior diferencial da série nesse quesito não é uma mecânica, mas sim a ausência dela. Não temos nenhum medidor de karma, o jogo jamais avalia se você é um bom witcher ou um mal witcher, ele simplesmente apresenta vários dilemas e impasses e você tem que resolvê-los. Quem já leu o livro pode escolher o que acha que o Geralt faria, jogadores imersivos podem fazer o que eles pessoalmente acreditam que é o correto, e no final de contas só o que resta são as consequências das suas ações. Quests feitas nas primeiras horas de jogos podem alterar o mundo em seus momentos finais, personagens importantes podem ter trajetórias completamente diferentes dependendo de suas ações. Nada disso é comunicado diretamente ao jogador em forma de cutscenes ou barras de moralidade.
Um dos exemplos que mais me marcaram foi a quest Where the Cat and Wolf Play. Dependendo de sua escolha você leva uma garotinha cuja família foi morta para sua tia em um lugar distante. É uma infame missão de escolta, mas uma que você se sente bem em fazer. Ao chegar na vila, vemos a tia nada feliz em ter mais uma boca a se alimentar, algo que adiciona ainda mais credibilidade ao mundo que está sendo destruído por guerra. Você pode doar dinheiro para ajudar a família, a moça te agradece e… Por um tempo é só isso. O jogador nunca mais tem um marcador para voltar na cidade, não há mais quests por lá, mas se no futuro você resolver passar lá de novo você encontra uma carta de agradecimento da menina junto com um desenho seu, e alguns diálogos de NPC comentam se você era o “tão falado Witcher que resgatou a Millie”.
Esse é o tipo de coisa que faz The Witcher 3 se ressaltar. Não é um jogo cinemático, mas é um mundo que constantemente evolui com as suas interações. É uma experiência reativa com atenção nos detalhes.
Não que a campanha principal deixe a desejar. É uma história boa por si só, mas uma cujo valor emocional cresce exponencialmente o quão mais você conhece a história de Geralt. Apesar dos jogos não serem considerados canônicos por Sapkowski, eles tomam o leme a partir do final do último livro, e em Wild Hunt dão uma conclusão para todos seus arcos e a culminação de tudo que você fez até o momento. Desde os contos de O Último Desejo, até a conclusão dos livros em A Dama do Lago, passando pela amnésia de Geralt em TW1, os eventos políticos de TW2, tudo resulta, e conclui, em Wild Hunt.
Do começo ao fim, a prioridade do jogo é claramente uma de respeito e entusiasmo pela história que estão contando, e isso contribui imensamente para uma ligação emocional do jogador com a franquia toda. Esse tipo de artifício não é tão comum para o lado AAA de desenvolvimento, ter um nome forte que garante vendas costuma preceder ter um universo coerente e um roteiro conexo entre as várias iterações.
A jogabilidade para alguns pode ser o ponto mais fraco com um combate simples de Action RPG, mas mesmo nessa simplicidade ele tem seu valor no contexto que é incluso. Isso é mais perceptível em missões de Contrato, desde aceitar a quest até entregar a prova de conclusão do serviço, tudo é cuidadosamente construído para te colocar na pele de um witcher.
Aceitar o contrato, negociar o pagamento, pegar informações de onde ataques ocorreram e como, inspecionar os locais e procurar por pistas usando sentidos aguçados (transmitidos pelo jogador pelo Heads-Up Display), identificar o tipo de monstro que está lidando, preparar poções e bombas que são eficientes contra tal monstro, e só então lutar contra. O combate do jogo muitas vezes é decidido mais na preparação do que no reflexo e habilidade do jogador, e essa é exatamente a intenção. Nas dificuldades mais altas o combate até tem seus momentos de tensão, mas a princípio a idéia é com que você não tenha problemas enquanto não abaixar a sua guarda.
Explorar o mundo, procurar serviço, ajudar pessoas em perigo, se defender de injúrias e agressões seja de forma pacífica ou violenta, tudo no jogo tem seu propósito de ser o mais imersivo possível, e no geral eles foram bem sucedidos nesse objetivo.
A própria CDPR também é um estúdio que simplesmente exala carisma. Em seus jogos é fácil ver a paixão pelo que fazem. E numa época onde edições físicas costumam vir apenas com um folheto de propaganda para o próximo jogo ou um código de download para seu bônus de pre-order, The Witcher 3 vem com manuais, um compendium, adesivos um mapa e… Um Folheto.
Um folheto de agradecimento aos jogadores pelo apoio e pelo “voto de confiança” ao comprar o jogo. CDPR é um estúdio relativamente novo, mas um que retém todo o entusiasmo e respeito que era tão comum nas antigas gerações de videogame, onde jogos continham uma mensagem de “Thank You For Playing” ao zerar, coisa que inclusive tem incluso na expansão Blood & Wine que serve como um ponto final da jornada de Geralt.
The Witcher 3: Wild Hunt é um ótimo jogo. Pode estar longe da perfeição, mas seus defeitos não diminuem o impacto que teve na indústria de jogos e na memória dos fãs da série. Como dito anteriormente, é uma obra que vale muito mais do que a soma de suas partes. Sua importância com certeza o faz ser digno de um dos melhores da década, e é a minha escolha como tal (independente de quantas vezes o Carpeado apareça no telhado).